Deus quis que a terra fosse toda uma,
Que o mar unisse, já não separasse.
Sagrou-te, e foste desvendando a espuma,
E a orla branca foi de ilha em continente,
Clareou, correndo, até ao fim do mundo,
E viu-se a terra inteira, de repente,
Surgir, redonda, do azul profundo.
Quem te sagrou criou-te português.
Do mar e nós em ti nos deu sinal.
Cumpriu-se o Mar, e o Império se desfez.
Senhor, falta cumprir-se Portugal!
Análise: No poema O Infante da segunda parte, Mar Português, de Mensagem (Fernando Pessoa), o sujeito poético dirige-se a um tu, lembrando-lhe a sua marca distintiva de eleito, escolhido e elevado à imortalidade por Deus — «Sagrou-te, e foste desvendando a espuma» (1.ª estrofe), «Quem te sagrou criou-te português. / Do mar e nós em ti nos deu sinal» (3.ª estrofe).
Ora, este tu, português «que [foi] desvendando a espuma», é alguém que dedicou a sua vida a desvendar os mistérios desconhecidos do mar, reunindo à sua volta os investigadores e estudiosos que pudessem colaborar na descoberta dos novos mundos. Repare-se que o emprego do gerúndio «desvendando» evidencia, precisamente, um tempo que se prolongou no processo da preparação para as descobertas na Escola de Sagres, criada pelo Infante D. Henrique, o príncipe que se entregou ao sonho das descobertas marítimas.
É ele este tu (marca de proximidade do sujeito), elevado ao estatuto de herói, pelo seu contributo no engrandecimento do seu povo e como referência, como modelo de um ser superior que não desiste dos seus sonhos. Por isso, desde o início do poema, é hiperbolizado com a carga semântica da «sagração», campo lexical com que é marcado pelo sujeito poético.
http://www.ciberduvidas.com/pergunta.php?id=31119
Sem comentários:
Enviar um comentário